quinta-feira, 28 de junho de 2012

IMPACTO DAS TERAPIAS BASEADAS EM EVIDÊNCIAS DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA NA MORTALIDADE

   Este estudo, realizado nos EEUU, fez uma estimativa dos benefícios que poderiam existir se os pacientes com insuficiência cardíaca (IC) e disfunção sistólica fossem tratados conforme as evidências e se fossem eliminadas as lacunas do tratamento ideal para IC. Foi demonstrado que um número importante de mortes poderia ser evitado nesses pacientes se houvesse a implementação da terapia ideal baseada em evidências.
  Seis terapias para IC foram avaliadas em estudos clínicos randomizados, tendo demontrado benefício em redução de mortalidade, justificando a recomendação classe Ia nas diretrizes do ACC/AHA. São elas: inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) ou bloqueador do receptor de angiotensina II (BRA), β-bloqueador, antagonista da aldosterona, dinitrato de hidralazina/isossorbida, terapia de ressincronização cardíaca (TRC), e cardiodesfibrilador implantável (CDI). O critério para a recomendação de IECA/BRA, β-bloqueador, antagonista de aldosterona, e hidralazina/isossorbida são pacientes com FEVE < 40%, enquanto para CDI e TRC são pacientes com FEVE ≤ 35%.
   Foram incluídos pacientes potencialmente elegíveis para cada terapia, conforme descrito acima. Foi avaliado o número de pacientes tratados, não tratados e o número de mortes que poderiam ter sido evitadas se fossem utilizadas as terapias preconizadas pelas diretrizes.
   A prevalência da IC, baseado nos dados da AHA/2010, foi de 5.800.000 pacientes nos EUA e 48% desses possuíam FEVE < 40%. Dentre eles, 2.784.000 pacientes, cerca de 4%, estavam somente em suporte clínico e 1% estava recebendo agentes inotrópicos endovenosos, assistência ventricular mecânica ou aguardando transplante cardíaco de urgência. Esses pacientes foram excluídos. Os demais 2.644.800 pacientes foram distribuídos conforme classe funcional (NYHA): I 30%, II 40%, III 25%, IV 5%. A raça negra esteve presente em 21% dos pacientes. Os pacientes com FE < 35%, NYHA II - IV e duração do QRS > 120 ms representavam 53%. 
   A tabela demonstra o número de pacientes com IC elegíveis, segundo as diretrizes de IC, para cada terapia e o número de doentes tratados com cada uma delas e as mortes que poderiam ser evitas. Baseado em diretrizes e excluídos pacientes com contra-indicações, intolerância e outras razoes para o não tratamento.

Terapia recomendada % da população elegível porém não tratado Mortes preveníveis por ano com a implementação otimizada (n) % de vidas salvas/ano na população com insuficiência cardíaca 
inibidores da ECA ou bloqueadores dos receptores da angiotensina 20,465169,6
beta-bloqueadores 14,41292219,0
antagonistas da aldosterona 63,92140731,5
hidralazina e dinitrato de isossorbida 92,766559,8
terapia de ressincronização cardíaca 61,2831712,2
cardioversores-desfibriladores implantáveis 50,61217917,9

*Baseado no estudo IMPROVE-HF

   Este estudo é o primeiro a tentar quantificar os potenciais benefícios de sobrevida que poderiam ser obtidos se as terapias recomendadas pelas diretrizes fossem aplicadas universalmente a todos os pacientes com IC elegíveis nos Estados Unidos. Concluiu-se que, se essas terapias fossem instituídas, quase 68.000 mortes por ano poderiam ser prevenidas. Embora tenha enfocado mais a mortalidade acredita-se que o uso destas terapias também reduziriam internamentos, complicações relacionadas a IC, melhoraria qualidade de vida e consequentemente diminuiria custos, principalmente no que se refere ao tratamento medicamentoso.
   O maior benefício foi demosntrado pelo melhor uso da terapia com antagonistas de aldosterona, seguida pelos beta-bloqueadores, CDI, TRC, hidralazina associada a dinitrato de isossorbida, e IECA ou BRA.
   Em um editorial que acompanhou o artigo original, a Dr. Lynne Warner Stevenson fez críticas aos pressupostos subjacentes à análise, e aponta alguns fatores de confusão. Por exemplo, comorbidades, fatores de risco e outras variáveis do estado do paciente poderiam ter um impacto sobre a real aplicação de uma terapia ou de outra. Embora a análise enfatize principalmente tratamentos medicamentosos, o editorial analisa em detalhe as implicações financeiras da implementação plena da terapia com CDI ou TRC na insuficiência cardíaca. Apesar de ser uma terapia sabidamente efetiva, temos que analisar também a custo-efetividade dessas medidas. Ele também salienta que as diretrizes são uma ferramenta para guiar a terapêutica. Cabe aos cardiologistas individualizarem cada paciente, para indicar a melhor terapia em cada caso, segundo as restrições e potenciais benefícios das diversas terapias disponíveis, para cada doente.
Referências: Cardiosource, AHJ.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

MANEJO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA AVANÇADA: PAPEL DO TRANSPLANTE CARDÍACO

   Pontos para serem lembrados em relação a ICC avançada e transplante de coração:

- Deve-se sempre realizar uma investigação da etiologia da IC, através de função tireoidiana, história de etilismo e tabagismo, cineangiocoronariografia para investigação de isquemia, pesquisa de doenças infiltrativas, com biópsia endomiocárdica quando há suspeitas. Em países endêmicos como o Brasil, nunca esquecer a doença de Chagas, que é uma causa prevalente de miocardiopatia dilatada.
- Nos pacientes com IC descompensada é muito importante identificar as causas precipitantes da descompensação, que incluem: isquemia, arritmias, doença valvar, infecção, má aderência ao tratamento, erro alimentar e hídrico, entre outros. Importante lembrar que a má aderência também tem impacto na avaliação para TxC. Se não for encontrado fator predisponente, o quadro é mais preocupante, pois indica pior função cardíaca.
- Os pacientes com IC descompensada devem ser compensados antes da avaliação da IC avançada. A compensação se baseia no estado volêmico e hemodinâmico do paciente. A necessidade do uso do cateter de artéria pulmonar (CAP) é discutível, já que estudos randomizados não demonstraram benefícios na terapia guiada pelo CAP. O uso de CAP pode ser considerado em pacientes com hipervolemia refratária, ou associada a piora da função renal ou a hipotensão, nos quais a avaliação do débito cardíaco e da resistência vascular sistêmica pode ser usada para guiar a terapêutica com diuréticos e inotrópicos.
- Nos pacientes compensados, sempre deve se tentar otimizar a terapia medicamentosa. Quando o paciente recebe inibidores do receptor de angiotensina, beta-bloqueadores e espironolactona, existe um ganho na sobrevida e melhora dos sintomas (principalmente em pacientes com classe funcional NYHA III ou IV). A digoxina reduz a taxa de hospitalização e pode até oferecer uma melhora da mortalidade em pacientes do sexo masculino, se o nível sérico estiver <0,8ng/mL, segundo o estudo DIG.
- Associado à terapia medicamentosa, deve-se considerar a terapia de ressincronização cardíaca, levando em conta, principalmente o intervalo QRS > 120 ms, com objetivo de melhora dos sintomas e aumento da sobrevida.
- A mortalidade em 5 anos para pacientes sintomáticos pela IC é de aproximadamente 50% e pode chegar a 80% em pacientes terminais. Nas últimas quatro décadas, o TxC se tornou a terapia de escolha para pacientes em IC terminal. A sobrevida média dos pacientes após o TxC é de 10 a 13 anos.
- Uma opção ao TxC são os dispositivos de assistência mecânica circulatória que podem sem indicadas como ponte para melhora (pacientes que necessitam de suporte temporário e espera-se uma melhora do quadro), ponte para transplante (pacientes com declínio na perfusão de órgãos apesar de terapia inotrópica que estão aguardando o TxC), ou como terapia de destino (pacientes com contra-indicações ao TxC).
- A indicação de dispositivo de assistência como ponte para transplante depende do tempo estimado de espera pelo TxC e do grau de comprometimento hemodinâmico da IC. Em geral, o TxC é a primeira opção, estando a assistência reservada para aqueles indivíduos que provavelmente não sobreviveriam para esperar até o TxC.
- As três maiores indicações de TxC são IC, angina e arritmia ventricular refratárias à terapia máxima. Uma vez o paciente compensado com a terapia máxima, pode se avaliar a sua capacidade funcional para considerar o TxC. A incapacidade de otimização da medicação pela piora da função renal ou hipotensão, ou inúmeros episódios de descompensação indicam pior prognóstico e também são indicações de TxC.
- Os pacientes em avaliação para TxC devem ser submetidos a um teste ergoespirométrico para avaliação do consumo máximo de O2 (Vo2mx), que é proporcional ao débito cardíaco. Um Vo2 <12 ml/Kg/min com esforço adequado indica pior prognóstico e reforça a consideração para TxC. Deve ser realizado também um cateterismo de artéria pulmonar com medidas das pressões de enchimento com objetivo de estratificar a gravidade da doença.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA: DEZ PONTOS A SEREM CONSIDERADOS.

Novas diretrizes europeias para o tratamento da insuficiência cardíaca: 10 pontos para lembrar!

Referência: McMurray JJ, Adamopoulos S, Anker SD, et al. ESC Guidelines for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure 2012: The Task Force for the Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure 2012 of the European Society of Cardiology. Eur Heart J 2012;May 19:[Epub ahead of print].

Este é um resumo da nova diretriz de insuficiência cardíaca (IC) da European Society of Cardiology (ESC). A seguir estão os 10 pontos principais desta atualização:

1. IC afeta 1-2% da população adulta nos países desenvolvidos. Estudos epidemiológicos e registros mais recentes apontam uma prevalência praticamente igual entre IC de fração de ejeção reduzida e preservada (50% cada).
2. A maioria dos estudos disponíveIs focam no tratamento da IC com fração de ejeção reduzida. A terapia padrão em pacientes com IC com FE ≤ 40% inclui beta-bloqueadores, inibidores de inibidores da enzima conversora (IECA), ou bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA / naqueles com intolerância a IECA). Estas medicações devem ser tituladas para as doses máximas toleradas. Em pacientes com sintomas persistentes sobre e com FE ≤ 35%, um antagonista da aldosterona é recomendada em associação, desde que não haja contraindicações (Clearance de Creatinina < 30ml/min/1,73m² e potássio sérico > 5,0mEq/L).
3. A ivabradina é um inibidor dos canais If do nodo sinusal que pode ser adicionado à terapia padrão em pacientes com ritmo sinusal, FEVE ≤ 35%, classe funcional NYHA II-IV, e uma frequência cardíaca ≥ 70 bpm com dose máxima tolerada de beta-bloqueador, no intuito de reduzir hospitalizações por IC (Classe IIa, Nível de Evidência B). Pode também ser considerada em pacientes que não toleram o uso de betabloqueadores (Classe IIb, nível de evidência C).
4. Digoxina e /ou terapia combinada de hidralazina + nitratos podem ser consideradas para reduzir hospitalizações por IC em pacientes com FEVE ≤ 45% e doses máximas toleradas da terapia padrão (classe IIb, Nível de Evidência B). Diuréticos devem ser utilizados para o alívio dos quadros congestivos.
5. Não há nenhuma evidência que sustente a anticoagulação oral para reduzir a morbidade e mortalidade em pacientes com IC e ritmo sinusal. Em pacientes com fibrilação atrial, a anticoagulação deve ser guiada pelos escores de risco CHA2DS2-VASC (para tromboembolismo) e HAS-BLED (para hemorragia).
6. São terapias contra-indicadas devido ao risco de induziar descompensações da doença na IC sistólica (Recomendação Classe III):
• Tiazolidinedionas.
• Bloqueadores de canais de cálcio não-diidropiridínicos.
• Anti-inflamatórios não esteróides e inibidores da ciclooxigenase-2 (exceto AAS em baixa dose).
• Adição de um BRA para uso simultâneo com IECA ou inididores da aldosterona.
7. Cardioversores-desfibriladores implantáveis (CDI) para prevenção primária de morte súbita são recomendados em pacientes com classe funcional NYHA II-III e FE ≤ 35%, com pelo menos 3 meses de tratamento clínico otimizado e com expectativa de vida > 1 ano. Para pacientes com cardiomiopatia isquêmica, o implante deve ocorrer dentro de 40 dias após o infarto agudo do miocárdio (Classe I, Nível de evidência A). Terapia com CDI não está indicada em IC NYHA IV refratária, naqueles com um dispositivo de assistência ventricular, ou em casos de IC após o transplante cardíaco.
8. Terapia de ressincronização cardíaca (TRC) é recomendada para reduzir o risco de hospitalização/morte em pacientes ambulatoriais com IC classe III - IV e que estão em ritmo sinusal, com bloqueio ramo esquerdo com QRS ≥ 120 ms e FE ≤ 35%. TRC pode ser considerada em pacientes semelhantes com QRS alargado (≥ 150 ms) que não têm uma morfologia de BRE (Classe IIa, Nível de evidência A).
9. Em pacientes com classe funcional II, a TRC é recomendada para reduzir morte ou hospitalização por IC naqueles com FE ≤ 30%, morfologia de BRE e QRS ≥ 130ms (Classe I, Nível de evidência A). TRC pode ser considerada em pacientes semelhantes com QRS alargado (≥ 150 ms) que não possuem morfologia de BRE (Classe IIb, Nível de evidência A).
10. Na IC com fração de ejeção preservada, nenhuma terapia se mostrou eficaz em reduzir a morbidade ou mortalidade. A terapêutica deve ter como objetivo tratar as potenciais causas subjacentes (isquemia miocárdica, hipertensão, infarto do miocárdio, taquicardias). Diuréticos podem ser utilizados para corrigir a retenção de líquidos e congestão.
Autor: Humberto Graner Moreira.
Traduzido e adaptado de Jennifer Ann Cowger, M.D., M.S.
Referência: Cardiosource, (click).

quinta-feira, 7 de junho de 2012

DIGOXINA NO SÉCULO XXI.

   Não poderia ter melhor tema para iniciar um blog sobre insuficiência cardíaca do que iniciar escrevendo sobre a digoxina, medicamento com mais de 200 anos, que se não diminuiu mortalidade, aliviou muito sofrimento, melhorando a qualidade de vida e diminuindo hospitalizações. Embora tenha grande valor terapêutico não tem grande valor econômico, e isto talvez faça com que não haja interesse em investir em pesquisa nessa droga, preferindo-se drogas de menor valor terapêutico mas com maior valor econômico.
   Para homenagear a digoxina escolhi o estudo DIG ( Digitalis Investigation Group ) que estuda a mesma há 15 anos, e que acho que seja o mais importante no assunto. A primeira conclusão deste estudo foi que embora não diminuísse mortalidade, diminuiu internamento e sintomas, melhorando portanto a qualidade de vida e reduzindo custos. Houve um aumento não significativo na mortalidade em mulheres, sendo observado nível de digoxina sérica aumentada naquelas que morreram e o tinha medido, o que levou a conclusão que a dose nas mulheres deveria ser a metade da dos homens. Dez anos após foi feito uma nova avaliação do estudo que mostrou nos homens que tinham digoxina sérica entre 0,5 a 0,9ng/ml, diminuição de mortalidade e hospitalizações, nos entre 0,9 e 1,1ng/ml não haver diminuição de mortalidade e acima de 1,2ng/ml aumento, em relação as mulheres entre 0,5 e 0,9ng/ml melhorou morbidade mais não mortalidade e havendo aumento de mortalidade nos níveis superiores a 1,2ng/ml. Agora foi publicada uma nova revisão, 15 anos, mostrando que nos pacientes mais grave, ou seja de alto risco, a digoxina diminuiu mortalidade.
   Em conclusão o uso da Digoxina deve ser revisto, e a mesma usada nos pacientes de alto risco ou nos com IC sintomática, principalmente com tratamento com as outras medicações já otimizado e que ainda apresentam sintomas de insuficiência cardíaca, e naqueles em cujo o uso de betabloqueador esteja impossibilitado.
Referências: DIG no século XXI, Uptodate, Theheart.org, (click).